segunda-feira, 26 de julho de 2010

Ele continua


Ele continua mexendo nas chaves. Continua olhando para o chão. Ele veste a mesma roupagem da incerteza, tantos anos depois. É um homem que me faz sempre as mesmas perguntas. Há uma necessidade quase doentia de perguntar se eu ainda moro no mesmo apartamento. Qual apartamento que você fala, do que nos conhecemos ou do outro? Pronto, entrei na paranóia dele. Ele continua sem saber o que exatamente em mim o fascina tanto. E - nas raras vezes que levanta os olhos - ele procura essa resposta em mim. E esses mesmos olhos, embora tristes, quando estão atrás da lente eternizam a beleza que há em todas as coisas. As crianças. A pobreza. A arquitetura. O mar. As paredes. As portas. Os fragmentos de qualquer coisa, ele registra tudo. Ele continua apaixonado pela mesma praia. Envelhecendo. Cavando buracos. Reaparecendo. Continua um gentleman, como raros. Ele ainda tem alma de criança, e eu sabia disso. Ele continua pensando sei lá o que de mim, do meu excesso de sorrisos, do meu olhar para o céu. Ele me disse que tudo um dia termina. Sei. E ele continua.