quarta-feira, 12 de outubro de 2011

com licença, eu não tenho interesse em comer uma sopa que fica pronta em 3 minutos

Mesmo dentro da minha falta de crenças há algumas coisas que, por religião, não faço. Fico pensando que se as fizer, algo de ruim cairá sobre a minha cabeça, meu mundo vai desabar, tsunami, sei lá. Eu não como sopa de pacote, por exemplo. Tenho medo, se comer acho que o universo me dará o troco. Eu chego em casa no final da noite depois de um dia pleno de atividades mas eu não me entrego a uma sopinha de pacote só porque é mais rápida. É saborosa? Não sei, não me interessa o sabor das coisas sem alma. Com licença, eu não tenho interesse em comer uma sopa que fica pronta em 3 minutos. Eu tenho interesse em ter tempo. Me interessa visitar as pessoas. Me interessa ter tempo para tomar um café com os amigos bem no meio da tarde. Bem no meio mesmo, no top do expediente de trabalho - isso sim é interessante. Me fascina escolher os ingredientes da minha sopa, temperar, sentir o cheiro enquanto ela cozinha, provar, temperar mais, pôr um pouco mais de água, desligar a panela, colocar a mesa, sentar e comer lentamente. Isso sim, é extremamente interessante para mim e o mundo não vai acabar se esse ritual levar uma hora para acontecer. Dia desses uma amiga me falou que uma amiga (sabe a amiga da amiga da amiga da amiga?) transou na pista de dança de uma boate.  Uma transa instantânea. Efêmera. Só para matar a fome. 3 minutos, como a sopa instantânea de pacote.


A geração barrinha de cereal está tentando dominar o mundo e isso me apavora. Se você realmente aprecia o sabor da barra de cereal, não é a você a quem me refiro, e sim aos que não tem tempo pra nada, fazem disso um hino e carregam as barras na bolsa, na mochila e no carro como um kit de sobrevivência.  Eu me orgulho de não fazer parte dessa tribo. Eu digo bastaaa! Aiii... coma uma coisa de verdade, um chocolate, uma fruta, um pão (desabafo). Se eu tivesse que recorrer com frequencia à barra de cereal por não ter tempo para fazer uma refeição digna, eu juro que não contaria isso a ninguém. Seria um segredo de estado.

Respeito as pessoas atarefadas, mega ocupadas, especialmente se esse tempo dedicado ao trabalho contribua para tornar o mundo melhor e tornar esta pessoa mais realizadora e feliz. Quem me conhece sabe que a minha jornada começa antes das 7h e termina depois das 22h (estava pensando que eu trabalhava apenas um turno, né? expediente de 6 horas?) mas acontece que eu não entro nessa onda da correria, do não tenho tempo pra nada, da mensagem ok, bjs no celular. Acho isso over. E interessante que ao mesmo tempo que é over é também miserável, é pouco, é quase nada. É muito resumo da opera para o meu gosto. Vamos otimizar o tempo? Vamos sim mas vamos também arrumar 5 minutos para telefonar para um amigo no dia do seu aniversário e não deixar uma mensagem que levou 11 segundos para ser digitada no facebook. Vamos parar de abreviar as palavras, especialmente a palavra Beijos. Vamos parar para ouvir uma música ou qualquer outra coisa que nos dê prazer. Eu quero uma refeição italiana, com primo piatto, secondo e ainda ter tempo para um café depois. Eu quero um banquete. Uma noite de amor.  Eu quero ler e reler um texto. Respirar e caminhar lentamente. Ter tempo para ajudar alguém. Ter tempo de sobra para usufruir do dinheiro que conquistei com o meu trabalho. Sou uma apaixonada pelo tempo e é justamente por isso que eu não tenho tempo para tomar uma sopa de pacote. Eu tenho coisas bem mais interessantes para fazer. 

 

4 comentários:

Carlos P. Thompson Flores disse...

Vamos ter mais tempo pra poder ler este texto mais umas 20 vezes, por favor...

Tiago Vidal disse...

acho que quem diz que está sempre correndo ou quer parecer mais importante do que é, ou simplesmente quer uma desculpa para não olhar nos olhos. digno! muito digno! beijos from bagé! ti_vidal

tarsila disse...

Ana, AMEI teu texto. Não sabia que era teu até chegar no final. Maravilhoso, sem mais.

Gonçalo Cholant disse...

ótimo texto.